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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

::Teria sido diferente ?::


Falhei.
Este foi o sentimento que experimentei e ainda experimento ao saber da morte, do assassinato, do menino Lucas, de 14 anos, que conheci ainda criança , que chamava de Buiú e dizia que seria um craque de bola.
Negro,Lucas era muito engraçado, fazia caretas e todos riam muito.Sua mãe, durante algum tempo frequentou o Salão das Testemunhas de Jeová e fez amizade com a minha familia,também da mesma fé religiosa.
Lucas, tinha o nome do meu neto, que tem quatro anos a mesma idade daquele Lucas,então. Sempre pensei nele como um futuro artista, da bola,do samba, do humor.
Um dia fiquei sabendo que vivendo no morro tinha enveredado pelo caminho das drogas e sua mãe queria muito que fosse conversar com ele,pois, seguidamente perguntava pelo tio Garcia.
Foi ao salão de beleza da tia para cortar o cabelo e disse que iria falar comigo,mas tinha vergonha.Essa vergonha impediu o nosso encontro.
Não fui ao encontro do Lucas. Nem ele veio a mim.
Fiquei envolvido nas minhas coisas, atividades, compromissos e agora pergunto-me :
e se tivesse falado com ele, aconselhado teria sido diferente este desfecho?
Não existe como não ficar com remorso, com este sentimento de ter falhado com alguém que poderia estar e estava precisando de mim.
O corpo do Lucas, o Buiú ,foi encontrado cheio de facadas, feitas por uma arma destas que usamos na cozinha- no Morro da Embratel, jogado,abandonado, aos 16 anos.
O menino alegre, careteiro,que chutava bola para mim, cumpriu o triste destino de tantas crianças pobres que a vida miserável,difícil empurra para as drogas e cobra deles o Futuro.
Lucas, no último fim de semana foi ao ensaio da escola de samba, onde era componente da bateria.Reencontrou Kika, uma namoradinha, que dividia seus amores com outro rapaz.Lucas foi atraido pelo rival e mais outros para uma subida no morro, onde foi assassinado. Gritou por socorro, alguém ouviu, mas não saiu de casa, todos tem medo no morro. A namoradinha sabia que ele estava sendo atraído para uma cilada, também nada disse nem tentou impedir.De novo o medo. A avó que o criou , ficou preocupada com a demora e foi procura-lo.Lucas nunca ficava fora de casa,sempre retornava.Subiu o morro, naquela vez não o encontrou.Resolveu tentar novamente .Achou um chinelo dele e mais acima no topo do morro,o corpo.
A necropsia revela que Lucas sofreu antes de morrer sangrando como um bicho abandonado no topo do morro.
Quem matou Lucas, tem 14 anos.
Nesta hora as fronteiras do abismo social são derrubadas e a dor desta família humilde chega até nós classe média, trazidas pelo convívio que nem o abismo social consegue evitar.
A dor deles é a nossa.
Este é o País que construímos e estamos legando aos nossos netos.
Um Brasil sem dó nem piedade, na constante guerra civil das ruas, exterminando-se, sendo exterminado.
A avó de Lucas baseada em testemunhas foi até a casa do assassino e a mãe deste desmentiu as informações.
O tamborim do Lucas está parado,quieto, na prateleira da quadra de ensaios.
Inconformada com o sofrimento do neto chora a avó.Lucas não vai retornar e no outro lar humilde, uma mãe chora porque seu filho, uma criança, tornou-se um assassino e pensa que um dia ela também poderá subir o morro para reconhecer um corpo.
Este é,infelizmente, mais um episódio da guerra das ruas.
Hoje, definitivamente não foi um dia bom, nem para mim e muito menos para o Buiú.
Fica deste episódio a lição que vai me acompanhar.
Quando alguém nos chama não podemos postergar,deixar para amanhã, para depois, porque poderá ser tarde demais. Esta é a primeira vez que sinto a dor de não ter ajudado o meu semelhante e não sei como vou conviver com isto.
Não deixe jamais de observar nas pessoas á sua volta se andam caladas,cabisbaixas, olhos pedindo socorro, sem brilho. Estas pessoas talvez estejam precisando de uma palavra,um abraço,um afeto. Tão pouco.
O que sei é que falhei.
Perdão Lucas! E que Deus me perdoe.