Cristiano Silva acordou-me ás duas da manhã dizendo que o ônibus da delegação do Brasil havia sofrido um acidente e neste havia morrido o Milar. Não acreditei, acordei e então começamos a checar as informações. Batia e tinha mais gente morta, muitos feridos. Darnlei quebrou o braço, mas ainda assim corria atrás de socorro aos companheiros. Noite, madrugada escura, o ônibus tombado fumegante, gritos de socorro e o Milar pedindo para não morrer. Odair pede socorro ao Darnlei pois, não consegue sair do ônibus capotado. Gente jogada fora na ribanceira. O onibus não venceu a curva, por um pouco mais de velocidade o motorista perdera o controle e tombara capotando tres vezes.
As notícias chegavam e o sono se foi e veio-me a lembrança do Milar carregando meu neto no colo entrando no estádio do Cruzeiro em Porto Alegre. Revi o Régis menino dourado que atento acompanhou minha conversa com os jogadores no hotel, na noite anterior a goleada que sofremos do Grêmio. Lembrei do gentil Alex Martins, do Dessesard´s, tecnico vice-campeão gaúcho, de tantos lembrei e ainda não havia caido a ficha.
As imagens de TV no amanhecer fizeram-me entrar na realidade. Uma tragédia se abatera sobre nós xavantes. Mas, era preciso pensar nos feridos, nos machucados, nas famílias das vítimas, no atendimento, nos que corriam risco de vida e em Bento gonçalves restava-me apreensivo rezar pelos que haviam partido e avisara tantos xavantes que nos deixaram para recebe-los bem e com afeto no Outro Plano.
Graças á Deus não tivemos mais mortes a lamentar, mas algo maior corria riscos:
O Brasil poderia ter que mais uma vez fechar as portas do futebol por não conseguir enfrentar a tragédia. Onde buscar forças paramontar um novo time e jogar o Gauchão, onde buscar recursos para enfrentar o trauma psicológico, onde obter apoio para pagar as contas?
A HISTORIA DE UM VENCEDOR
Em 1911, num 7 de setembro, meninos juntaram-se para montar um time que se chamaria Brasil e seria verde e amarelo, as cores da Pátria.
Primeira crise. Não havia dinheiro para comprar o uniforme, camisetas, calções e meia.
Um lusitano disse que daria o uniforme, mas tinha que ser rubro negro, como o Diamantinos. Seria assim, até que tivessem dinheiro para o fardamento verde e amarelo...
São tuas cores o nosso Sangue a nossa Raça.
E não houve como mudar e por isso somos o único Brasil, de 7 de setembro que não tem nas suas cores o verde e amarelo.
Para onde vamos?
Um dia de um ano destes distantes, disseram aos Negrinhos da Estação que teriam de deixar o estádio junto a Estação Ferroviaria.
E nos vimos sem casa para jogar.
O velho Bento Freitas e seus amigos acharam na região da baixada Pelotense um charco e propuseram que ali seria o novo campo. Como ali ? Outra vez o Destino nos reservava uma peça de mau gosto.
Ali fizemos o Estádio Bento Freitas, a nossa arena da Baixada. Construímos naquele lugar nossa História de glorias e conquistas das quais nos orgulhamos até hoje. Superamos.
O Brasil fechou
Em 1973, Pedro Zabaletta reuniu o Conselho e decretou que "só mesmo um fdp seria capaz de querer continuar com o futebol naquelas condições de penúria do clube"!!!!
Ficaram calados os jovens que não queriam aquilo, mas não eram filhos da puta. Calaram nossos dirigentes históricos. Foi forte e ainda naquele ano nos classificamos para o Gauchão 1974, que não jogaríamos.
No Bento Freitas, um charco, transformado em estádio pelas mãos calejadas dos nossos torcedores caiu a sombra da morte. Os adversários riam de nós.
Em 1972 havíamos conquistado a Copa Governador, espécie de Campeão Gaúcho do Interior. Estavamos classificados, mas fechados.
O Bento Freitas virou tapera, cresceu a grama, venderam a iluminação construida com o sacrificio de tantos, comandados pelo Marechal da Luz, doutor Assis.
Pois, foi uma equipe de meninos com a camiseta do Brasil que não deixou morrer a Paixão e nem a Devoção. Time tocado pelo Geraldo Mendes, pelo Gilmar pai do Q.Suco, por gente simples, pequenos empresarios, funcionários públicos, que sonhavam. Saíram pela Zona Sul a jogar. E o manto sagrado tremulou. Superamos.
Sonhar é Preciso
E os jovens que tinham ficado calados naquela noite escura do Brasil e do licenciamento, acordaram. Vamos voltar. Porque eles haviam impedido que a velha sede da 15 fosse negociada e ela se transformou no símbolo da resistência.
Caiu Zabaletta, que vivia em Porto Alegre, não resistiu a pressão. O casarão da 15 virou alojamento dos jogadores.
Em 1975 voltamos, com um time modesto apoiado pela massa xavante. Estava de volta o Trem Pagador. Superamos.
A vaga é nossa.
Veio a fase "onde a Arena vai mal um time no Nacional." Tinha que ser nossa. O almirante Heleno Nunes, presidente da CBF visitou Pelotas, viu o Bento Freitas, sua maquete(até hoje lá está), mas a nossa casa era modesta para as nossas pretensões.
O adversário também candidatou-se. Como vamos fazer? Campanha do tijolo do cimento os "guris" da OPEP, que tinham juntado-se ao gringo Giovanni Mattea, ao Vanderley Albio da Silva, ao doutor Carapeto (para não esquecer todos os Agentes da Volta ) e a tantos para fazer voltar o time, ajudaram em tudo e fizemos a arquibancada monumental.
Estádio pintado, bonito, vamos para o jogo. Ganhamos a vaga no Seletivo. Superamos.
E foi de tanto sonhar que os sonhos foram virando realidade, rotina de vencedor.
Um dia unimos o Rio Grande no Estádio Olímpico lotado.
O Brasil era e foi o time de todos os gaúchos. Para chegar ali, vencemos o Flamengo em memorável feito. Superamos.
O País nos reconhece
Veio 2008, e a luta para classificar á Série C de 2009. Fizemos mais, lutamos até o último jogo pela B que virá em 2009. Este mesmo ano que nos enfrenta com uma tragédia, com uma dor imensa. Numa madrugada escura caímos no precipício.
Sepultamos nossos mortos, curamos nossos feridos, abraçamos nossa gente dolorida, sentida e chorosa, mas nessa queda no precipício escuro tateamos a procura de onde nos agarrarmos. Estamos caíndo e como um filme toda esta história de superação passa na nossa mente. Vimos rostos conhecidos e desconhecidos, mas são rostos amigos e mãos se estendem para nós. Aqui e ali nessa queda acendem-se fachos de luz e imagens aparecem.
O menino que carrega a camiseta rubronegra, o operário com o seu carrinho de mão cheio de terra preta, os jovens que carregam a faixa onde se lê, "o recreio acabou, papai voltou", ouvimos o grito do Marcola no Café Aquario, vemos o homem que carrega os tijolos, o onibus que vai rumo a Estrela, a cidade iluminada nos recebe na volta da Bahia, o estádio está lotado.
De repente o menino larga a camiseta,o operario deixa o carrinho de mão, o homem deposita o tijolo no chão e uma multidão estende suas mãos para conter a nossa queda no precipicio escuro.
Vozes cantam rubronegroooooo, rubronegrooo, o treme terra faz a marcação, seguem-se os surdos, os repiniques, e os metais ensaiam o brado o heróico retumbante de um Brasil que resurge da Dor e da Morte, que se faz Vida e Esperança na garra e na raça da sua gente. Superamos.
Vamos lá.
O estádio lotado, está silencioso. O tambor marca com suas batidas as batidas do coração da gente rubronegra.
A multidão reverencia seus heróis. Canta e chora a saudade dos que se foram. Explode em festa para aqueles que jamais serão esquecidos.
O árbitro apita, começa o jogo. O time xavante ainda sob efeito da tristeza tem dificuldades em campo, mas a torcida empura e grita, transmite energia. E eis que de toque em toque, o time xavante vai aproximando-se da área, bola alçada, cabeceio no poste e no rebote a defesa do goleiro. Acordamos.
Quando menos se espera sai o lançamento longo, nosso atacante destacado vence a zaga na velocidade e um arrepio corre o estádio. É o Milar no corpo de outro, sua figura esguia agora passeia sobre o Bento Freitas e fala ao companheiro, vai, vai, vai e o goleiro abandona o gol, a bola sobe e vai cair na risca, bate no poste, quica, perde força e nesse instante um vento sopra forte no sentido sul-norte, o vento que vem do Chuy e a bola passa a risca fatal. É gol. é gol do Milar, aquele vento que é o Milar bota prá dentro. Todos tem certeza que foi assim mesmo que se passou.
Avisa aí que estamos de volta.
João JG Garcia
(*) SEI QUE NA PROSA É FÁCIL, MAS, QUEM JÁ SUPEROU TANTA COISA NA SUA HISTÓRIA NÃO DEIXARÁ DE HOMENAGEAR NOSSOS HERÓIS IMPEDINDO QUE O PIOR ACONTEÇA. DE NOVO O DESAFIO ESTÁ POSTO E VAMOS SUPERAR TUDO.
As notícias chegavam e o sono se foi e veio-me a lembrança do Milar carregando meu neto no colo entrando no estádio do Cruzeiro em Porto Alegre. Revi o Régis menino dourado que atento acompanhou minha conversa com os jogadores no hotel, na noite anterior a goleada que sofremos do Grêmio. Lembrei do gentil Alex Martins, do Dessesard´s, tecnico vice-campeão gaúcho, de tantos lembrei e ainda não havia caido a ficha.
As imagens de TV no amanhecer fizeram-me entrar na realidade. Uma tragédia se abatera sobre nós xavantes. Mas, era preciso pensar nos feridos, nos machucados, nas famílias das vítimas, no atendimento, nos que corriam risco de vida e em Bento gonçalves restava-me apreensivo rezar pelos que haviam partido e avisara tantos xavantes que nos deixaram para recebe-los bem e com afeto no Outro Plano.
Graças á Deus não tivemos mais mortes a lamentar, mas algo maior corria riscos:
O Brasil poderia ter que mais uma vez fechar as portas do futebol por não conseguir enfrentar a tragédia. Onde buscar forças paramontar um novo time e jogar o Gauchão, onde buscar recursos para enfrentar o trauma psicológico, onde obter apoio para pagar as contas?
A HISTORIA DE UM VENCEDOR
Em 1911, num 7 de setembro, meninos juntaram-se para montar um time que se chamaria Brasil e seria verde e amarelo, as cores da Pátria.
Primeira crise. Não havia dinheiro para comprar o uniforme, camisetas, calções e meia.
Um lusitano disse que daria o uniforme, mas tinha que ser rubro negro, como o Diamantinos. Seria assim, até que tivessem dinheiro para o fardamento verde e amarelo...
São tuas cores o nosso Sangue a nossa Raça.
E não houve como mudar e por isso somos o único Brasil, de 7 de setembro que não tem nas suas cores o verde e amarelo.
Para onde vamos?
Um dia de um ano destes distantes, disseram aos Negrinhos da Estação que teriam de deixar o estádio junto a Estação Ferroviaria.
E nos vimos sem casa para jogar.
O velho Bento Freitas e seus amigos acharam na região da baixada Pelotense um charco e propuseram que ali seria o novo campo. Como ali ? Outra vez o Destino nos reservava uma peça de mau gosto.
Ali fizemos o Estádio Bento Freitas, a nossa arena da Baixada. Construímos naquele lugar nossa História de glorias e conquistas das quais nos orgulhamos até hoje. Superamos.
O Brasil fechou
Em 1973, Pedro Zabaletta reuniu o Conselho e decretou que "só mesmo um fdp seria capaz de querer continuar com o futebol naquelas condições de penúria do clube"!!!!
Ficaram calados os jovens que não queriam aquilo, mas não eram filhos da puta. Calaram nossos dirigentes históricos. Foi forte e ainda naquele ano nos classificamos para o Gauchão 1974, que não jogaríamos.
No Bento Freitas, um charco, transformado em estádio pelas mãos calejadas dos nossos torcedores caiu a sombra da morte. Os adversários riam de nós.
Em 1972 havíamos conquistado a Copa Governador, espécie de Campeão Gaúcho do Interior. Estavamos classificados, mas fechados.
O Bento Freitas virou tapera, cresceu a grama, venderam a iluminação construida com o sacrificio de tantos, comandados pelo Marechal da Luz, doutor Assis.
Pois, foi uma equipe de meninos com a camiseta do Brasil que não deixou morrer a Paixão e nem a Devoção. Time tocado pelo Geraldo Mendes, pelo Gilmar pai do Q.Suco, por gente simples, pequenos empresarios, funcionários públicos, que sonhavam. Saíram pela Zona Sul a jogar. E o manto sagrado tremulou. Superamos.
Sonhar é Preciso
E os jovens que tinham ficado calados naquela noite escura do Brasil e do licenciamento, acordaram. Vamos voltar. Porque eles haviam impedido que a velha sede da 15 fosse negociada e ela se transformou no símbolo da resistência.
Caiu Zabaletta, que vivia em Porto Alegre, não resistiu a pressão. O casarão da 15 virou alojamento dos jogadores.
Em 1975 voltamos, com um time modesto apoiado pela massa xavante. Estava de volta o Trem Pagador. Superamos.
A vaga é nossa.
Veio a fase "onde a Arena vai mal um time no Nacional." Tinha que ser nossa. O almirante Heleno Nunes, presidente da CBF visitou Pelotas, viu o Bento Freitas, sua maquete(até hoje lá está), mas a nossa casa era modesta para as nossas pretensões.
O adversário também candidatou-se. Como vamos fazer? Campanha do tijolo do cimento os "guris" da OPEP, que tinham juntado-se ao gringo Giovanni Mattea, ao Vanderley Albio da Silva, ao doutor Carapeto (para não esquecer todos os Agentes da Volta ) e a tantos para fazer voltar o time, ajudaram em tudo e fizemos a arquibancada monumental.
Estádio pintado, bonito, vamos para o jogo. Ganhamos a vaga no Seletivo. Superamos.
E foi de tanto sonhar que os sonhos foram virando realidade, rotina de vencedor.
Um dia unimos o Rio Grande no Estádio Olímpico lotado.
O Brasil era e foi o time de todos os gaúchos. Para chegar ali, vencemos o Flamengo em memorável feito. Superamos.
O País nos reconhece
Veio 2008, e a luta para classificar á Série C de 2009. Fizemos mais, lutamos até o último jogo pela B que virá em 2009. Este mesmo ano que nos enfrenta com uma tragédia, com uma dor imensa. Numa madrugada escura caímos no precipício.
Sepultamos nossos mortos, curamos nossos feridos, abraçamos nossa gente dolorida, sentida e chorosa, mas nessa queda no precipício escuro tateamos a procura de onde nos agarrarmos. Estamos caíndo e como um filme toda esta história de superação passa na nossa mente. Vimos rostos conhecidos e desconhecidos, mas são rostos amigos e mãos se estendem para nós. Aqui e ali nessa queda acendem-se fachos de luz e imagens aparecem.
O menino que carrega a camiseta rubronegra, o operário com o seu carrinho de mão cheio de terra preta, os jovens que carregam a faixa onde se lê, "o recreio acabou, papai voltou", ouvimos o grito do Marcola no Café Aquario, vemos o homem que carrega os tijolos, o onibus que vai rumo a Estrela, a cidade iluminada nos recebe na volta da Bahia, o estádio está lotado.
De repente o menino larga a camiseta,o operario deixa o carrinho de mão, o homem deposita o tijolo no chão e uma multidão estende suas mãos para conter a nossa queda no precipicio escuro.
Vozes cantam rubronegroooooo, rubronegrooo, o treme terra faz a marcação, seguem-se os surdos, os repiniques, e os metais ensaiam o brado o heróico retumbante de um Brasil que resurge da Dor e da Morte, que se faz Vida e Esperança na garra e na raça da sua gente. Superamos.
Vamos lá.
O estádio lotado, está silencioso. O tambor marca com suas batidas as batidas do coração da gente rubronegra.
A multidão reverencia seus heróis. Canta e chora a saudade dos que se foram. Explode em festa para aqueles que jamais serão esquecidos.
O árbitro apita, começa o jogo. O time xavante ainda sob efeito da tristeza tem dificuldades em campo, mas a torcida empura e grita, transmite energia. E eis que de toque em toque, o time xavante vai aproximando-se da área, bola alçada, cabeceio no poste e no rebote a defesa do goleiro. Acordamos.
Quando menos se espera sai o lançamento longo, nosso atacante destacado vence a zaga na velocidade e um arrepio corre o estádio. É o Milar no corpo de outro, sua figura esguia agora passeia sobre o Bento Freitas e fala ao companheiro, vai, vai, vai e o goleiro abandona o gol, a bola sobe e vai cair na risca, bate no poste, quica, perde força e nesse instante um vento sopra forte no sentido sul-norte, o vento que vem do Chuy e a bola passa a risca fatal. É gol. é gol do Milar, aquele vento que é o Milar bota prá dentro. Todos tem certeza que foi assim mesmo que se passou.
Avisa aí que estamos de volta.
João JG Garcia
(*) SEI QUE NA PROSA É FÁCIL, MAS, QUEM JÁ SUPEROU TANTA COISA NA SUA HISTÓRIA NÃO DEIXARÁ DE HOMENAGEAR NOSSOS HERÓIS IMPEDINDO QUE O PIOR ACONTEÇA. DE NOVO O DESAFIO ESTÁ POSTO E VAMOS SUPERAR TUDO.