.

domingo, 15 de junho de 2008

:: Jamelão não morreu ! ::


Jamelão é um sujeito que não gosta.
Não gosta assim mesmo, com o verbo no intransitivo, tantas são as coisas que ele desgosta. Não gosta de falar do passado, não gosta de falar do presente, não gosta de roda de samba nem exatamente de carnaval. Não gosta de Cartola.
Não gosta sequer de cantar - só o faz para embolsar algum e justamente porque não gosta de ficar devendo.
Gosta menos ainda que venham lhe beijar a mão. Se um desavisado se curva, fica com a beiça a ver navios: 'Num sô pai-de-santo', ele rosna.
Estender-lhe a mão, esse gesto simples, é uma temeridade: 'Num sei onde cê pôs essa mão...' O jeito é apenas sorrir para ele. Mas não espere reciprocidade - Jamelão não gosta de sorrir.
Esse sujeito que não gosta sentiu-se ainda mais desgostoso há duas semanas, quando correu a notícia em um jornal popular do Rio de Janeiro: 'Jamelão não é mais o puxador da Mangueira'. Quer deixar de mau humor o Jamelão, não precisa fazer nada. Jamelão não fica de mau humor - é de mau humor.
Se quiser no entanto jogar lenha na fogueira, basta chamá-lo de puxador de samba, o que para ele é xingamento, ao estilo puxa-saco ou puxador de fumo. Jamelão não puxa - é intérprete.
Desde 1950 a sua voz grave, bonita, embala a escola nos desfiles da avenida. Aos 93 anos, é figura tão lendária na Sapucaí que parte dela, a área destinada à concentração das alas, chama-se oficialmente Espaço Jamelão.
De forma que a manchete do jornal sugeria uma puxada de tapete. O Jamelão não gostou. - Eu só não canto esse carnaval se Deus não quiser. O dia que Deus me tirar de circulação, aí cabô.

Jamelão é um sujeito que não gosta. Não gosta assim mesmo, com o verbo no intransitivo, tantas são as coisas que ele desgosta. Não gosta de falar do passado, não gosta de falar do presente, não gosta de roda de samba nem exatamente de carnaval. Não gosta de Cartola.
Não gosta sequer de cantar - só o faz para embolsar algum e justamente porque não gosta de ficar devendo.
Gosta menos ainda que venham lhe beijar a mão. Se um desavisado se curva, fica com a beiça a ver navios: 'Num sô pai-de-santo', ele rosna.
Estender-lhe a mão, esse gesto simples, é uma temeridade: 'Num sei onde cê pôs essa mão...' O jeito é apenas sorrir para ele. Mas não espere reciprocidade - Jamelão não gosta de sorrir.
Esse sujeito que não gosta sentiu-se ainda mais desgostoso há duas semanas, quando correu a notícia em um jornal popular do Rio de Janeiro: 'Jamelão não é mais o puxador da Mangueira'. Quer deixar de mau humor o Jamelão, não precisa fazer nada. Jamelão não fica de mau humor - é de mau humor.
Se quiser no entanto jogar lenha na fogueira, basta chamá-lo de puxador de samba, o que para ele é xingamento, ao estilo puxa-saco ou puxador de fumo. Jamelão não puxa - é intérprete.
Desde 1950 a sua voz grave, bonita, embala a escola nos desfiles da avenida. Aos 93 anos, é figura tão lendária na Sapucaí que parte dela, a área destinada à concentração das alas, chama-se oficialmente Espaço Jamelão.
De forma que a manchete do jornal sugeria uma puxada de tapete. O Jamelão não gostou. - Eu só não canto esse carnaval se Deus não quiser. O dia que Deus me tirar de circulação, aí cabô.

Mas é: foi o José Bispo que nasceu em São Cristóvão, filho de um baiano que era pintor e uma mineira que 'lavava pra fora'. Morava na Caixa d´Água, cercanias do estádio de São Januário, o que o fez Vasco da Gama.
Engraxava sapato e vendia jornal. Foi gritando na rua - 'A Noite!, Vanguarda!' - que começou a gostar da sua voz. E por essa época (favor não cair na tentação da piadinha sobre ver a Mangueira entrar) José Bispo entrou na Mangueira. - Naquela época não tinha nada de fazer exame de seleção.
A pessoa chegava, e quem podia participar daquilo ali participava. Comecei saindo na bateria. Tocava mais ou menos um surdo de resposta, me identificava com um tamborim, se fosse preciso. Quantos anos eu tinha? Muitos anos atrás, ora.
A Mangueira naquela época era praticamente um bloco. Depois é que virou Grêmio Recreativo Escola de Samba e blablablá e não sei o quê e Estação Primeira de Mangueira.
Quando a Mangueira virou 'essa coisa de responsa', o José Bispo já tinha se transformado em cantor. O apelido, inclusive, 'veio de andança de festa', na qual ele atuava como crooner.O dono de uma das casas, esquecido de seu nome, recorreu à fruta que fica 'pretinhazinha assim no pé': 'Oh... Oh... Oh... Jamelão!' E assim foi ficando, sem que José Bispo, cada dia menos José e menos Bispo, se aporrinhasse com o codinome.
Achava até muito bom, visto que jamelão é 'fruta muito boa, tipo da faixa do morango'.
Jamelão vestiu a carapuça de Jamelão e o novo nome lhe deu uma sorte danada. Com ele assinou Quem Samba Fica,uma de suas poucas composições, um clássico das boas rodas de samba. Quem samba fica, quem não samba vai embora, diz o refrão.
Se deixasse, Jamelão era o primeiro a bater em retirada, porque acha roda de samba 'um chute no saco'. Outra de suas canções que também tem lugar cativo no botequim com boa música é Esta Melodia, gravada depois por Cristina Buarque e Marisa Monte (Quando vem rompendo o dia, eu me levanto, começo logo a cantar...).
Mas essa é melodia assinada por um José Bispo que já não se sabe quem é. Coisa da antiga.
A moderna música de Jamelão era aquelas de dor-de-cotovelo. Apesar de ter decolado nos anos 50 com Leviana,de Zé Keti, e se consagrado em definitivo com Exaltação à Mangueira, o delicioso samba-hino da escola, o que Jamelão queria mes
'O Cartola, o negócio já era outro. Ele só gostava de jornalista. Reunia aquele bando na casa dele. A mulher, Zica, fazia comida pra turma.
Com gente do morro, ele não chegava junto. Tava sempre em casa com jornalista. Isso porque tinha aquelas músicas lá. O pessoal saía todo empolgado com o Cartola...'
mo era ser Lupicínio Rodrigues. Tanto fez que é considerado seu melhor intérprete. O exdeputado Roberto Jefferson, agredido pela estante de seu apartamento com um soco no olho quando tentava alcançar um CD de Lupa, certamente aprecia esse Jamelão. Os sambistas torcem o ouvido.
Em todo caso foi assim mesmo - da roda de samba a Lupicínio, de Dolores Duran à Sapucaí - que Jamelão conheceu França, Portugal, Espanha, México, Estados Unidos. Certa vez, em temporada no restaurante Via Brasil, 'ali na 46', em Nova York, reparou num grupo de cariocas: 'Toca essa! Toca aquela!'
Num arroubo de rara gentileza, foi atendendo um a um aos pedidos da mesa. Não é que de lá se levantou o seu Miro? Sim, o seu Miro, patrono do Salgueiro, um dos maiores banqueiros do bicho no Rio de Janeiro, 'sujeito muito bom'.
Miro aproximou-se de Jamelão: 'Toma o seu cachê' - meteu a mão no bolso e lhe ofereceu um bolo de dólares. 'Ali começou uma grande amizade.'
Castor de Andrade era outro. Volta e meia mandava à sua casa o motorista: 'Dom Castor mandou buscar o senhor'. Jamelão se aprontava, ia até Bangu, onde o bicheiro punha banca. Cantava meia dúzia de músicas, 'ele me dava um dinheirinho na mão e eu ia embora'.
Uma vez, no dia do desfile, mandou chamar de novo o Jamelão. Ofereceu uísque e cerveja.
Quando ele saiu para defender o seu samba, Castor, então patrono da Mocidade, comemorou: 'Tá meio bebão, não vai cantar é nada'. Jamelão subiu no carro de som e a Mangueira atravessou a avenida com o tradicional 'já ganhou'.
No ano seguinte: 'Quando o Jamelão chegar, dá uma tranca nele. Ninguém aqui dá mais bebida pro Jamelão. Quanto mais ele bebe, mais ele canta...' Castor de Andrade, Jamelão achava 'formidável e amigo'.

Segue casado com Dona Delice há 57 anos. Tem uma filha apenas, de 60 anos, uma neta e um neto. À exceção da neta, 'que estudou negócio de academia de comércio', o resto 'é tudo nas minhas costas'.
Na verdade, o Jamelão é meio desgostoso com o pessoal lá da casa dele... No entanto, mora todo o mundo junto, em Vila Isabel. (Por estranho que pareça, nem José Bispo nem Jamelão nunca morou na Mangueira.) 'Eu vivo no bairro de Noel Rosa, mas esse aí eu não conheci.
Ah, morreu cedo? Ora, e o que é que você acha que eu posso fazer?' O carrancudo Jamelão poderá ser visto entre as 22h05 e as 22h20 da segunda-feira 27 de fevereiro, quando desfila a Estação Primeira de Mangueira. A carranca na Mangueira vai passar, diz a letra da música no primeiro refrão do samba-enredo.

Fonte: Texto: Fred Melo Paiva