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terça-feira, 27 de novembro de 2007

:: Um pai especial ::

O depoimento é de Caho Lopes sobre o pai Moisés ,que hoje sofre com Alzheimer, advogado respeitado, comunista e antigrenalista, meu amigo de muitos anos, solidário e de conduta reta.
Recentemente perdi minha mãe que sofreu alguns anos com a doença, não sofreu, mas assistimos - eu e minha irmã Alba, definhar sua memória. Sofremos muito como sofrem todas as famílias que enfrentam esta doença. Pode ser que o velho Moisés não entenda o que o filho escreve,mas todos os filhos gostariam de dizer do seu pai o que o Caho escreve aqui.
Acompanhem
Meu pai

Meu pai é uma grande pessoa. É um cara do qual nunca ouvi falarem de sua conduta, de sua ética. Nunca soube que tivesse amantes, nunca o vi chegar bêbado em casa, nunca houve a menor suspeita sobre a origem do seu dinheiro. Nunca esteve no SPC ou na Serasa, e também não me recordo de algum dia um cobrador ter batido a nossa porta.
Tinha gênio difícil o meu pai. Era uma pessoa com um grau de exigência muito acima do normal, tanto com relação a si mesmo quanto às outras pessoas que o rodeavam. Trabalhava cavalarmente, numa época em que o termo workhaolic ainda nem havia sido cunhado. Perdia a paciência com facilidade, e ficava furioso o meu pai. Quando eu era criança, logo que aprendi a ler me caiu nas mãos um livro com vários contos de deuses gregos. No meu imaginário infantil meu pai era Zeus, o senhor dos céus e deus supremo. Quando ele ficava bravo comigo era como se seu rosto saísse das nuvens do céu e vociferasse sua fúria sobre mim. Mas logo depois se arrependia, o meu pai, este deus meu particular, e me enchia de beijos e abraços como só um pai pode fazer com o filho que ele tanto ama.
É meu melhor amigo, este meu pai. Sempre foi, sempre será. Em todos os momentos da minha vida que eu precisei ele estava lá, do meu lado. Muitas vezes fez o que eu achei que não devia, outras vezes fez o que eu precisava, mas o importante é que nunca se omitiu, nunca deixou de estar lá. Porque acima de tudo era valente, este meu pai. Era um homem sem medo: sem medo de se expor, sem medo das críticas, sem medo da avaliação dos outros, sem medo de fazer o que tem que ser feito, sem medo das batalhas.
Na vida, venceu sua guerra particular. Cumpriu todos os objetivos que se impôs quando jovem, quando decidiu o que era importante e o que era supérfluo, quando traçou o rumo de sua existência e descobriu o seu norte.
Meu pai ainda está vivo, mas já sinto falta dele. Atravessei momentos extremamente difíceis há pouco tempo em minha vida, e o que me manteve no rumo foi o exemplo que tive deste meu grande amigo. O que mantém uma espada erguida não é força do braço, mas a verdade que a empunha. E com ele aprendi a ser o senhor das minhas verdades e a defender sempre o que é certo, o que é ético e o que é justo.
Não sei quanto tempo ainda conviveremos, mas espero que seja o suficiente para que ele perceba que todo este aprendizado não ficará perdido nas ranhuras do tempo.
E que um dia Mercúrio, o mensageiro dos deuses, leve para ele a notícia de que os homens de sua extirpe ainda mantém a sua tradição de ética, honradez e coragem.

Caho Lopes
Novembro de 2007